terça-feira, março 15, 2005

Dar é receber

No fim-de-semana passado reuniram-se em Fátima cerca de 50 mil pessoas em mais uma peregrinação diocesana. O Bónus este ano seria a transmissão em directo pela TVI da missa celebrada pelo Bispo D. Serafim.

Como costume, no sábado houve actividades para os escuteiros e grupos de jovens, culminando à noite com um concerto de música de mensagem. As actividades foram organizadas por secções, sendo os caminheiros divididos em três grupos que iriam visitar três postos alternadamente. O objectivo era uma reflexão sobre o caminheirismo e a religião e a integração na mística da próxima actividade: o Sudoxê, cujo sorteio das equipas se realizou mesmo ao final da noite, com todos já a cairem para o lado.

Este ano, porém, os caminheiros não vieram a pé de Leiria a Fátima. Por isso, juntei-me ao grupo de Pioneiros dos Pousos, Sé, Sto. Agostinho e Fátima. Eu e o Mãos éramos os únicos de lenço vermelho ao peito, no meio de todos aqueles pioneiros. Partimos à uma da manhã de sexta-feira, depois de um jogo de futebol no campo da GRAP que acabou à meia-noite com o senhor a querer desligar as luzes.

Apesar de tudo, o domingo foi o dia que mais gostei pelo serviço que escolhi prestar durante a missa, estando nas colunatas com os doentes. Aquele espaço tinha cadeiras e estava reservado para doentes que se encontravam em retiro e um grupo de deficientes mentais profundos que vinha já há nove anos de Viana do Castelo, todos eles em cadeiras de rodas. Mesmo à frente ficavam crianças do grupo de catequese.

A minha função ali era basicamente ajudar a distribuir as pessoas e impedir a entrada naquele espaço restrito a quem não estivesse doente ou necessitado de uma cadeira. Isto segundo o senhor de braçadeira verde que não era muito dado ao humor. As críticas ao seu comportamento por parte dos acompanhantes dos doentes mostravam algum descontentamento e desagrado com a organização. E eu tentava apenas que as pessoas estivessem alegres, apesar da enfermidade.

Ao acompanhar uma senhora que andava com uma muleta, desafiei-a a correr uns metros comigo e ela correu, à sua maneira. Foi de tal modo inesperada a sua reacção enérgica ao meu convite maluco, que até lhe disse que estava boa para ir à Maratona de Lisboa (que por acaso estava a decorrer mais ou menos à mesma hora).

Um rapaz estende-me a mão esquerda para me cumprimentar, afastando nitidamente o dedo mindinho do anelar, e perguntei-lhe logo de que agrupamento é que ele era, ao que me respondeu com muita dificuldade, dado o seu problema. Passado pouco tempo é a mãe deste que me aborda com um ar visível de consternação pela debilidade física do filho que fora um dinâmico dirigente escutista antes do seu problema. Aí viro-me para o rapaz e faço-lhe a saudação do escuta, que ele surpreendentemente me retribui, depois de uma ligeira confusão com o posicionamento dos dedos.

Os deficientes mentais que estavam nas cadeiras de rodas eram os mais impressionantes, por ficarem contentes com as coisas mais simples. Um sorriso para eles era tudo. Um deles começou a fazer uns roncos esquisitos que até me assustou, mas a mãe dele é que me disse que era a sua maneira de mostrar uma grande alegria, pois gostava muito de ver bebés e estava um perto dele. Apesar de o bebé ir ter com a mãe, com medo, ao seu colo disse adeus e deu beijinhos àquele jovem que estava na cadeira de rodas tão contente.

O senhor da braçadeira verde dizia-me o que deveria fazer e eu não anuia logo, mas dava a minha opinião, revelando um pouco as impressões dos acompanhantes dos doentes. Um dos deficientes riu-se descaradamente, naquele riso gozão que tenta ser ensurdecido, do senhor da braçadeira verde. Estavam três pessoas para entrar para a área restricta, apesar de não estarem em retiro, sendo uma delas invisual. Eu deixei-os passar e o senhor da braçadeira vinha como que para ralhar comigo, não querendo deixar entrar a terceira pessoa. Fazia algum sentido? Virei-me para essa pessoa e disse-lhe para entrar, sorrir e que podia ir sentar-se.

Quando foi para abrir um corredor para ministrar a comunhão, em vez de gritar para as pessoas se arredarem, disse-lhes apenas: imaginem que eu sou um avião (e abri os braços) e que vou aterrar (andando para a frente). Sem dizer mais nada as pessoas ajeitavam-se e rapidamente ficou o corredor aberto para a comunhão.

Numa das colunas, estava uma criança empoleirada no rebordo. Perguntei-lhe se queria aparecer nas notícias da TVI. Daí a pouco veio o cameraman e deixou a câmara no tripé, por acaso no sentido do miúdo. Vês, eu não te avisei? Depois falei um pouco com o cameraman que me explicou pacientemente alguns aspectos técnicos da edição de imagem e me deixou espreitar pela câmara.

Gostei, senti-me bem ao ver que as pessoas estavam animadas, alegres, menos doentes. O mundo não será, afinal, feito de pequenas coisas?

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