sábado, março 04, 2006

António Lobo Antunes

Passou pela Livraria Arquivo em Leiria, já pela segunda vez, a pretexto do seu terceiro livro de crónicas, as que escreve semanalmente na Visão.

Vê-lo ao vivo foi uma confrontação estranha com a minha ideia do autor. De chapéu na cabeça de cabelo grisalho e barriga proeminente, mostrava calma e alguma timidez. Mesmo assim, ainda falou muito sobre si próprio e sobre os seus sentimentos, aliás como vem fazendo nos seus livros.

Falou do livro recente sobre as cartas de amor que escrevia à sua mulher enquanto esteve na guerra, que foi culpa das suas filhas. Elas encontraram as cartas, já depois da mãe ter falecido, e ficaram muito comovidas com a expressão do amor entre os seus pais. Passaram-nas a computador e tomaram a iniciativa de publicar o livro.

António Lobo Antunes não queria tornar públicas aquelas cartas tão íntimas que lhe faziam lembrar a mulher e a guerra, mas não teve argumentos para filha que lhe dizia que aquela publicação seria uma maneira de dar vida à mãe. Essa mesma filha, quando voltou de uma viagem a Espanha e soube que o pai tinha dado a roupa da mãe, chorou inconsolável, porque a mãe quando voltasse não teria roupa para vestir!

Falou de muitas coisas, falou muito de si, falava sempre baixinho, quase em sussurro, intimista, com o microfone quase encostado à boca, ouvido a sua respiração entre as frases. Referiu o gosto por Portugal: "Nós somos feios, escurinhos. Não há sensação melhor do que chegar ao aeroporto e ver alguém a escarrar para o chão: estamos em Portugal!"

Disse maravilhas da língua portuguesa, da sua maneabilidade, do linguarejar, dos duplos sentidos. Cervantes até dizia que o castelhano era português com "ésses". Aliás, nem se imaginava a ter relações com uma mulher que gemesse noutra língua que não o português...

A sala foi pequena para todos que o queriam ouvir nesta animada conversa de uma personalidade forte, um autor com um estilo muito próprio, difícil de ler, mas considerado um candidato sério a um Nobel.

No fim a tradicional fila para assinar os livros. Eu levei o "Eu hei-de amar esta pedra", o seu último romance, que tinha oferecido ao meu irmão pelo Natal.

Um serão bem agradável. Afinal a vida mais não é que "um ponto de luz entre duas eternidades de escuridão."

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